O Sítio Histórico do Cavalo Marinho, localizado no Sítio Malícia, zona rural de Glória do Goitá, abriga o primeiro museu dedicado ao Cavalo Marinho do Brasil. No vilarejo que ele mesmo construiu, José Evangelista de Carvalho — o mestre Zé de Bibi, patrimônio vivo de Pernambuco — preserva com carinho o único museu voltado ao Cavalo Marinho de bombo.
Desde criança, Zé de Bibi sonhava em deixar sua marca na cultura popular. Mesmo quando muitos zombavam dizendo “Cavalo Marinho é brincadeira quente”, ele não se deixou abalar. Pelo contrário, reuniu amigos e fundou o Cavalo Marinho Boi Tira Teima — nome escolhido, como ele mesmo conta, para “tirar a teimosia de quem não acreditava nele”.
Diferente de outros grupos da Mata Norte pernambucana, o Cavalo Marinho Boi Tira Teima traz os personagens Mateu e Catirina, mas não conta com o Bastião (irmão de Mateu). A trama começa quando o Capitão Marinho, um fazendeiro rico, decide dar uma festa, e Mateu — personagem negro, vindo das senzalas, estereotipado como um “doidinho” — entra em cena. Quem narra essas histórias é Michele, filha do mestre Zé, que hoje dá continuidade aos ensinamentos do pai.
A apresentação se inicia com o Maguião (ou Mergulhão), uma dança de entrada com passos que lembram a capoeira. Os personagens se dividem em três categorias: animais (como boi e cavalo), humanos (como galantes e cara branca) e fantásticos (como Caboclo de Iorubá e “Parece, mas não é”).
O Cavalo Marinho mantém sua força pela tradição oral, o que faz com que cada grupo tenha suas variações. Os diálogos surgem do improviso e buscam envolver o público. Como diz Zé de Bibi: “Antigamente a festa reunia muita gente, era a brincadeira que o povo tinha. Hoje, a gente apresenta e logo para, quando começam essas grandes bandas.”
O brinquedo de Zé de Bibi reúne um impressionante número de personagens criados por ele — são cerca de 86 figuras! O banco dos músicos é composto por ganzá, bombo e rabeca (ou “Rebeca”), que embalam as toadas (músicas) e conduzem as loas (diálogos e poesias).
Além de mestre do Cavalo Marinho, Zé de Bibi também atua no Maracatu e no Mamulengo. Nos últimos anos, suas filhas vêm assumindo muitos personagens dentro do folguedo, rompendo a tradição histórica de um brinquedo que, por muito tempo, foi exclusivamente masculino — até as baianas eram representadas por homens.
De modo geral, essa brincadeira vinda das senzalas carrega a rotina e a memória de homens e mulheres dos campos de lavoura de subsistência e canaviais do interior de Pernambuco.
A visita ao Sítio Histórico faz parte da pesquisa do Grupo Paleta Coletiva, do Projeto Educação e Vivências Inclusivas, que prepara uma nova exposição sobre a cultura popular de Glória do Goitá, abordando o Cavalo Marinho, o Mamulengo e o Maracatu. A iniciativa realizada pela Giral conta com o apoio do Programa Amigo de Valor, do Santander.