Glória do Goitá não é apenas a capital estadual do Mamulengo, mas também abriga uma rica diversidade de manifestações culturais tradicionais, entre elas o Maracatu de Baque Solto, também chamado de Maracatu Rural.
Atualmente, há registro de oito maracatus em atividade no município. O mais antigo é o Maracatu Leão do Norte, fundado em 1945. Naquela época, todos os maracatus da cidade utilizavam a buzina — um instrumento de sopro que marcava o compasso entre as loas dos mestres e os chocalhos dos caboclos de lança.
Hoje, todos os Maracatus de Baque Solto em Pernambuco adotam o chamado terno fino, formado por instrumentos de sopro como pistão e clarinete, com exceção do Maracatu Estrela da Tarde, localizado na zona rural de Glória, pertencente a Dona Maria Viúva, que ainda preserva elementos antigos da tradição.
Entre os destaques atuais do município está o Maracatu Carneiro Manso, fundado em 1950 e que celebrou 75 anos de existência no dia 7 de abril. A agremiação encontra-se hoje na terceira geração da família fundadora e é presidida por Andresa Correia de Melo, neta do fundador Manoel Francisco Correia. Com 145 integrantes, o maracatu tem se destacado ao conquistar importantes premiações em concursos realizados na região metropolitana do Recife.
José Rinaldo, conhecido como Nado do Carneiro, um dos responsáveis atuais pela agremiação, conta um pouco da história ouvida dos mais antigos. “No início, não se chamava maracatu, e sim Mulungu. As pessoas se reuniam à noite para comemorar a colheita e iam ‘bater mulungu’ — que era o nome de uma madeira da região e também da dança que faziam. Depois, com o tempo, foi se modernizando.”
Os maracatus saíam de uma cidade para outra a pé. Enquanto a catita — figura feminina interpretada por um homem, saia de forma ágil e carismática — ia à frente tentando convencer as famílias a acolherem o grupo, o maracatu seguia se apresentando. A catita entrava sorrateiramente pelos quintais e recolhia alimentos, que depois eram divididos entre os brincantes. Naquela época, os trajes eram simples: os chapéus dos caboclos eram feitos de sacos desfiados, o que lhes dava um tom predominantemente branco. As vestimentas eram leves e decoradas com pequenos espelhos.
Com o passar do tempo, principalmente após a década de 1960, os grupos passaram a incorporar elementos do Maracatu de Baque Virado, como as figuras das baianas, da dama do paço e da corte, muitas vezes por exigência de concursos e apresentações oficiais. Foi também nesse período que as mulheres começaram a ser admitidas como brincantes, superando um antigo preconceito. “No começo, acreditavam que trazer a mulher para o maracatu era atrair o mal. Mas a mulher trouxe beleza, cuidado e ajudou a diminuir as brigas”, relembra Nado. Antes, era comum que confrontos acontecessem quando os maracatus se encontravam e “cruzavam as bandeiras”.
Apesar das transformações e da adaptação ao contexto contemporâneo, o maracatu permanece enraizado em sua origem colonial, com fortes influências afro-brasileiras, indígenas, agrárias e de sincretismo religioso. A tradição segue viva, graças à renovação promovida pelas famílias brincantes, que têm inserido crianças desde cedo nas apresentações, garantindo assim que os saberes ancestrais não apenas sobrevivam, mas ganhem novos significados e capítulos na história cultural do território da zona da mata norte de Pernambuco.
A visita ao Carneiro Manso faz parte da pesquisa do Grupo Paleta Coletiva, do Projeto Educação e Vivências Inclusivas, que prepara uma nova exposição sobre a cultura popular de Glória do Goitá, abordando o Cavalo Marinho, o Mamulengo e o Maracatu. A iniciativa realizada pela Giral conta com o apoio do Programa Amigo de Valor, do Santander.